Apenas em 2024, Mato Grosso do Sul registrou 12.630 ocorrências de violência doméstica até o dia 7 de agosto. No acumulado dos últimos dez anos, esse número soma mais de 200 mil ocorrências, revelam os números do Sigo Estatística, da Sejusp (Secretária de Estado de Justiça e Segurança Pública), o que representa mais de dois casos por hora.
No mês de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher, o jornal apurou que os números são expressivos, embora ainda exista a certeza da subnotificação. Em prol desse tema, o "Agosto Lilás", que acontece no Estado em algumas outras regiões, tenta colocar o assunto em protagonismo, para que se discuta o tema e mais mulheres tenham conhecimento sobre seus direitos.
Segundo a subsecretária de Políticas Públicas para Mulheres de Mato Grosso do Sul, Manuela Nicodemos Bailosa, ainda não é possível mensurar números exatos. As leis voltadas à proteção de mulheres e a análise de crimes sob uma perspectiva de gênero são recentes e, consequentemente, o avanço na elaboração de políticas públicas, capacitação de profissionais e investigação caminha a passos lentos.
Além dos casos especificados como violência doméstica, há outros registros relacionados aos crimes contra mulheres. Neste ano, ainda conforme os números do Sigo Estatística, houve 19 ocorrências de feminicídios, enquanto a soma dos últimos dez anos chega a 302 registros, em Mato Grosso do Sul.
"A partir do momento que tem uma lei dizendo que algo é crime, esse crime vai aparecer. Então, por que antes não aparecia? Porque nem era classificado como crime, não tem como a gente saber se antes havia mais casos de violência doméstica e feminicídio. São conceitos que nem existiam", explica Manuela.
Com base nos dados do Sigo Estatísticas, vemos que, em Mato Grosso do Sul, a maioria das vítimas de violência doméstica são do sexo feminino. Dos 12.630 casos registrados neste ano, 11.513 foram crimes contra mulheres. Ou seja, 91,16% das vítimas.
Em seguida, há um perfil etário, com a maioria das vítimas sendo mulheres jovens e adultas. Em sequência, há o grupo de idosas, seguidas de adolescentes e crianças.
Conforme já noticiado anteriormente, 1.882 mulheres foram vítimas de violência doméstica por mês no ano de 2023. Isso significa que, a cada hora, duas mulheres foram vítimas desse tipo de crime.
É por meio do cumprimento da Lei Maria da Penha, que completa 18 anos nesta quarta-feira (7) que esses casos passam a ser divulgados e debatidos. Além disso, é por meio dela que alguns direitos são garantidos, como o acesso à medida protetiva.
Uma das primeiras frentes para proteção das mulheres é a concessão de medidas protetivas, que afastam os agressores. Neste ano, o TJMS (Tribunal de Justiça) já concedeu mais de 6,3 mil medidas. Desde total, aproximadamente 2,7 mil mulheres são acompanhadas pelo do Promuse (Programa Mulher Segura) da PM (Polícia Militar).
O Promuse é por meio do qual se faz a triagem da vítima, verificando grau de risco, endereço, telefone, para realizar a visita técnica.
Segundo a subsecretária Manuela, para que ocorra a prisão do criminoso, de acordo com o que rege a lei hoje, ela somente pode ser realizada em caso de flagrante. Neste ano, o primeiro caso de feminício registrado em Campo Grande foi reflexo de uma falha do sistema de proteção.
Em fevereiro, um homem esfaqueou a mulher, no Indubrasil, crime cometido na frente dos filhos da própria vítima. Na data do crime, a Polícia Militar esteve no local, durante a madrugada, após denúncia de agressão por parte do ex-marido. Entrentanto, por não haver um flagrante, o homem foi apenas mandado sair do local. Depois, por volta das 6h30, ele voltou à residência e matou a ex-mulher a facadas.
Para Manuela, esse é um dos exemplo de falha na rede de proteção em um contexto geral, incluindo a rede de apoio da vítima e o poder público. À época, vizinhos s familiares relataram já ter conhecimento das agressões da possibilidade algo mais grave como um assassinato.
O agressor em questão já possuía oito passagens criminais por violência doméstica. Além disso, a vítima já teve medida protetiva de urgência em desfavor dele, embora à época do crime não houvesse mais.
"Essa morte foi uma morte anunciada, entendeu? Ele esteve lá, literalmente ele disse que ia matar ela. E é muito difícil, às vezes a vítima está sangrando e pede para não levar o agressor. Mas mesmo assim a polícia tem responsabilidade", explicou a subsecretária.
Em um cenário ideal, não deveria ser necessário um flagrante para o agressor ser preso. Vale lembrar que essa mulher poderia estar mais fortalecida pelo menos em um abrigo.
Além disso, para que nesse caso o agressor fosse preso, era necessário uma medida protetiva vigente e a prisão então ser realizada. Por isso é importante atenção quanto à validade de uma medida protetiva e de não revogá-la.
A Lei Maria da Penha trouxe como crime o descumprimento da medida protetiva. Caso as equipes da PM em patrulhamento, visita técnica ou fiscalização, observe que o agressor está no local, deve ser feita a prisão em flagrante e o encaminhamento até a delegacia.
Em Mato Grosso do Sul, as vítimas de violência doméstica podem fazer a solicitação de medida protetiva pela internet, por meio deste link, disponibilizado pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul.
A medida protetiva deve ser solicitada quando você estiver sofrendo algum tipo de violência causada por parceiro, parentes e por pessoas, que independente de serem da sua família, moram com você.
Cabe observar, que a concessão de medidas protetivas não se restringem apenas para as agressões físicas. Também é possível requerer as medidas protetivas em casos de ameaças, violência psicológica, sexual, patrimonial (o agressor esteja roubando ou destruindo os seus pertences) e moral (o agressor esteja difamando, caluniando e injuriando a sua imagem).
Sobretudo, segundo a subsecretária Manuela, as vítimas não precisam se preocupar em juntar provas para fazer uma denúncia. A condição de violência é o suficiente e cabe ao Estado passar as orientações e seguir com a investigação necessária.
"Agosto Lilás" é uma campanha de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher, instituída por meio da Lei Estadual nº 4.969/201. A campanha objetiva intensificar a divulgação da Lei Maria da Penha, sensibilizar e conscientizar a sociedade sobre o necessário fim da violência contra a mulher, divulgar os serviços especializados da rede de atendimento à mulher em situação de violência e os mecanismos de denúncia existentes.
A Lei 4.069/2016 também criou o programa "Maria da Penha Vai à Escola" e, nos anos seguintes, foram incorporados outras ações, como: Maria da Penha vai à Igreja, Maria da Penha vai ao Campo, Maria da Penha vai à Empresa, Maria da Penha vai à Aldeia, Maria da Penha vai ao Quilombo, Maria da Penha vai ao Bairro, Maria da Penha vai à Feira.
Em 2024, o Governo de Mato Grosso do Sul, através da SEC (Secretaria de Estado da Cidadania) e da Subsecretaria de Políticas Públicas para Mulheres, iniciou a campanha sob o tema: "Agosto Lilás: Mulheres Vivas, Feminicídio Zero".
Idealizada em Mato Grosso do Sul, a campanha ganhou destaque nacional em 2022, com a promulgação da Lei 14.448, que institui nacionalmente, o Agosto Lilás como mês de proteção à mulher, destinado à conscientização para o fim da violência contra a mulher.
Atualmente, a violência contra a mulher é considerada não apenas como um problema de ordem privada ou individual, mas como um fenômeno estrutural, de responsabilidade da sociedade.
Tal violência é amplamente definida como qualquer ato que possa causar dano físico, sexual, psicológico ou sofrimento extremo a uma mulher. A violência doméstica e familiar, prevista na Lei Maria da Penha, pode ocorrer em casa, entre pessoas da família e entre pessoas que mantenham relações íntimas de afeto, mesmo sem a convivência sob o mesmo teto.
O "Ligue 180" é um dos serviços essenciais para o enfrentamento à violência contra a mulher, as denúncias são anônimas. Além disso, o canal direciona e orienta as mulheres em situação de violência para serviços especializados na rede de atendimento. As denúncias são anônimas.
Diante de um flagrante ou risco de morte, o contato pode ser feito pela Polícia Militar 190. As pessoas precisam denuncia, reforça a subsecretária Manuela.
Logo, em casos de vizinhos e familiares, não podemos esquecer da responsabilidade e obrigação de fazer com que o Estado saiba dos crimes e possa ficar atento ao caso, independemente de a vítima conseguir reconhecer essa necessidade.